domingo, 16 de junho de 2013

'UMA OUTRA ESCRAVA ISAURA":CAPÍTULO 24:

Seu Jocelino e Maria José correm até Isaura para acudí-la.Quando se vê,ela está abraçada ao pai que nunca conhecera,antes.Retiram-se para os aposentos de sinhá Estér,que é quem conta toda a verdade para Isaura sobre as reais circunstâncias de sua origem familiar.
Ela está sentada sobre a cama.Somente agora Comendador Almeida volta da esbórnia,deparando-se com o velório de Camilo e o regresso de seu ex-feitor,Jocelino.
-Voltastes para comprar a liberdade de tua filha,não foi?!Decerto dê-me um tempo...-e senta-se sobre a escrivaninha,munido de caneta tinteiro,a fim de preparar o documento.-Não precisas mais comprar,tão pouco se preocupar,seu Jocelino!Aqui está a carta de alforria de Isaura!Tome-a e deleite-se com a vossa liberdade!...-entrega-lhe em mãos,fazendo Leoncio bufar de ódio,vendo toda a cena através da porta entreaberta.
-Muitíssimo obrigado,senhor Comendador!A este documento vou guardá-lo com bastante apreço,pois Isaura,é o símbolo de tua gloriosa liberdade!-agradece-lhe,Jocelino,que logo após esta cena corre para comunicar Isaura sobre o teor deste papel,abraçando-se à sua filha,revelando-a diante do caixão com o cadáver de Camilo,que acabou de ganhar a vossa alforria tão almejada.
Isaura então ajoelha-se e com a carta de alforria em mãos,levanta-a em direção ao Céu,agradecendo enormemente a Deus pelo fato de ganhá-la.
-Ao lado da tragédia,uma grande graça me concedestes agora meu "Diviníssimo Pai Celestial"!...-chora,emocionada,Isaura,na frente de todos os presentes.
Duas horas depois,ao lado do vosso pai,este já no "Cemitério da Soledade",a indaga,diante do sepulcro de Camilo que acabara de ser sepultado.
-Querida filha,agora quem decidirás os caminhos do teu próprio destino será vós...O que farás agora que estás livre como a uma gaivota?...-a indaga.
Diante do sepulcro do amado,após o enterro deste,Isaura o responde,visivelmente emocionada,abraçada ao pai.
-Vou voar muito meu caro pai,vou voar muito...Até que estes vôos levem-me aos caminhos da felicidade...Os quais certamente não me separarão daquela que considero a minha mãe de coração...O que significa que não vou abandonar a minha caríssima madrinha,meu pai!Pois tenho-a como grande mãe!Portanto sería isto uma terrível ingratidão de minha parte!...-concluí Isaura,decidindo permanecer na fazenda "Santa Genoveva",mas no entanto aceitando passar alguns dias na Côrte,desfrutando da companhia paterna,após ter testemunhado o sepultamento do grande e primeiro amor de sua vida.
Leoncio,óbvio,não conforma-se e passa a tramar com Rosa algo que possam fazer para anular esta liberdade e fazer Isaura voltar a ser escrava.É simples:enquanto estiver hospedados na chácara da Côrte,será muito fácil roubar a carta.E é o que acontece:na sorrêlfa,aproveitando que todos estão a passeio,Leoncio rouba a epístola da alforria de Isaura.Mas não adiantará nada,pois o Comendador fará outra.Mas não será preciso.Leoncio provoca algo que joga seu pai contra Jocelino:fazendo-se de vítima,como se estivesse sendo caluníado,Leoncio convence em seu torpe espetáculo,deixando o comendador furioso,quando presencía a acusação do seu ex-feitor contra o filho,que através de Rosa faz com que reapareça a carta no mesmo lugar,de onde ela sumiu:a mala de Jocelino.A escrava pulou a janela aberta,para reintroduzir na mala a carta,e da mesma maneira saíu,sem ser vista.Sinhá Estér pede a Jocelino que procure-a direito,pois pode achá-la.E é o que acontece,conforme a premeditação de Leoncio,que fingindo-se de caluníado em sua própria vivenda,convence o pai a tomar uma atitude injusta e drástica:tomar a carta das mãos de Seu Jocelino e rasgá-la em pedacinhos na frente de todos,além de serem expulsos,pelo comendador,de vossa casa.E o imputa:se quizer a liberdade de sua filha,agora terá de comprá-la pela exorbitante quantia de 17 contos de réis.Desta maneira,Isaura volta a ser escrava,exatamente como Leoncio desejava.
Estér implora ao marido que perdoe Seu Jocelino e devolva a liberdade para Isaura,mas o Comendador é irredutível:só a libertará se a liberdade de Isaura for comprada."Eis que o destino desse-me nova fatalidade!...Como se houvessem cortado as minhas asas..."-chora Isaura,enlutada,no colo de sua madrinha.
Seu Jocelino e a mulher Maria José,como não possuem dinheiro suficiente para comprar a liberdade de Isaura,pensam em trabalhar como escravos de lavoura no engenho do Comendador,cuja proposta é veementemente rejeitada,pois não remunera escravos.Henrique assim decide acolhê-los em sua casa e só não os empresta o dinheiro para não trazer problemas à irmã,que é nora do Comendador,que na frente de todos,na Côrte,comunica-os que Leoncio passe a tomar conta de tudo em seu lugar,pois "já cansou dos negócios e por isto só quer gozar os deleites prazerosos da vida".Portanto Comendador Almeida Prado só se dedicará às esbórnias e aos jogos de baralhos,deixando o filho no comando dos seus negócios,livre para fazer de suas maldades.
Enquanro isso,a esta noite sonha Isaura.
-Quis-me aqui que o meu romance imitasse a vida real,e estou aqui amada Isaura aos teus pés para pedir-te em casamento!-aparece Camilo Castelo Branco em sonho,ajoelhado,beijando-lhe as mãos na beira do "Lago Azul Encantado".
Isaura acorda,emocionada,ainda mais que ao término do sonho,Camilo criava asas de anjo nas costas e virava uma estrela no Céu.Virgi Santa e sinhá Vera oram por ela,para que lhe apareça um novo grande amor e Isaura volte a gozar de novos momentos felizes.E é o que acontece.Uma semana depois,Isaura passeia com a vaca branca Belém pelos pastos verdejantes da fazenda quando um cavalheiro aparece,cortejando-a,oferecendo-lhe uma rosa.Ele apresenta-se como Teotônio Villas-Boas,filho do Barão Cartorário.Ele acha muito graciosa a vaca,sendo conduzida por uma corda,pelas mãos de Isaura.Mais graciosa ainda é o sino pendurado ao pescoço da mamífera,sobre a qual,à medida em que caminha ouvem-se as graciosas badaladas do objeto.A cena deixa Teotônio bastante encantado.Isto ambientado na "Fazenda Santa Genoveva".
O feitor Cipriano vê a cena à distancia,sem ser visto,conta para Rosa,que conta para Leoncio,que logo ao saber que o novo pretendente de Isaura é o filho do Barao Cartorário,convida-os para um sarau.Detalhe:Isaura não revelou que morava na fazenda,que só estava ali de passagem,nem muito menos que é uma escrava,fugindo destas revelações,encantando ainda mais a Teotônio pelo ar ingenuo do mistério.Rosa ouvíu isto ela contar para Virgi Santa e sinhá Vera.É o que basta para Leoncio arquitetar sua mais nova maldade.Assim não revela aos pais quem são seus dois convidados especiais.Quando se vê,ao mesmo tempo em que chegam no sarau,Isaura também põe os pés na sala.Tanto a Teotônio,quanto a Isaura,resta-lhes dupla surpresa,pelas circunstâncias surpreendentes deste reencontro.
-Ora,ora,creio que estão encantados com a imensa beleza desta moça,cuja pele,cujos cabelos reluzem como ouro...Mas enfim sem mais delongas,deixem-me apresentá-la...Eis aqui a nossa escrava,a escrava Isaura!Com quem vosso filho,Barão Cartorário,pretende a namorar!-despeja,venenoso,Leoncio,a verdade,constrangendo a Isaura,ao bombardeá-la com tamanha surpresa humilhante.
Sinhá Estér passa mal,sofrendo uma pontada no coração.Leoncio leva uma bofetada do pai,da mulher Vera e do próprio Teotônio,que o chama de vil e maldito.Pressionado pelo pai,Teotônio retira-se para um colégio interno na Europa,se não quizer ser deserdado.É de lá que ele escreve cartas à Isaura-todas interceptadas e queimadas por Leoncio,que também com a ida da mãe para a Europa,em companhia do pai,passando lá longa temporada não pára de assedíar e infernizar Isaura,que o repulgnando e o dando um tapa,após ele querer pegá-la à força,a manda para o tronco,aproveitando que Vera e Virgi Santa foram à Corte visitar Henrique e por dois dias ficarão lá.
Sem imaginar que Rosa e Leoncio fazem sexo no quarto de Isaura,com Rosa passando-se por ela,para satisfazer ao seu senhor,a um capricho indecente dele.Surgem então Jocelino e Maria José para libertar Isaura,que ao tronco está por uma corda amarrada.
-Estamos aqui para libertá-la das garras do diabo e levá-la para uma fuga de Deus!-e as leva para a casa-grande de Henrique.
Vera fica furiosa com o ato abominável do marido,lançando-lhe a repreensão.
-Enquanto a tua mãe não estiver aqui eu serei a guardiã de Isaura!Seu pústula!-o dá um tapa.Leoncio não revida.
-Quanto mais tú bates em mim,mais eu me apaixono por ti!...-é cínico o canalha,mostrando ser sadomasoquista em relação à mulher,abandonando-a sempre que leva um tapa,índo para a esbórnia na
"Casa-Grande dos Prazeres de Madame Simone Bertolli",pagando orgias com mulheres de lupanar,tal como o pai.
-Nunca mais te deixarei exposta a este monstro,Isaura!-a promete,Vera,por trás dela,enquanto a mesma encontra-se orando diante do seu oratório.
Assim,desta maneira,Vera funciona como um escudo a Isaura,protegendo-a das maldades do marido.
O tempo naturalmente acelera-se.Vera e Henrique decidem ír à Europa,conversar com sinhá Estér sobre os assédios de Leoncio para com Isaura,pedindo-a que seja forte durante a sua ausência.Isaura aceita o desafio,pois "mais do que Deus,ninguém!"
Assim,à cada dia em que rejeita Leoncio,ele imputa à Isaura um castigo diferente.Nesta segunda-feira é castigada a trabalhar carregando barris de vinhos no carrinho-de-mão,para a adega da fazenda.Na terça-feira a manda para a sala de bordar,com as outras escravas.Na quarta-feira a condena a passar o dia inteiro na cozinha,cozinhando e à lavar-louças.Rosa mesquinhamente,invejosa e "intriguenta",antes que ela acorde-se,coloca novamente uma boa quantidade de louças que já foram limpas,de volta à pia,só para que Isaura tenha mais trabalho em de novo lavá-las.-Isaura não é princesa!É plebéia como nós!Por isso tem de trabalhar!Só assim essa preguiçosa vai saber o que é ter o que fazer!...-é venenosa.-Só assim nao vai ficar "de boa" por aí,passeando com vaca,nem cuidando de bezerro desmamado,nem de gata...Ela tem é que pegar no pesado!...-costuma a invejosa falar.
Já na quinta-feira a obriga a cuidar do jardim e a limpar terrenos em companhia de Belchior.Na sexta-feira a varrer a casa-grande,de manhã,à tarde e à noite.No sábado,a ficar na senzala lendo o dia inteiro para as escravas e os escravos.Enquanto que no domingo a castiga a ficar presa 24 horas,isolada,em seu quarto.Com um detalhe:ela é submetida a todos estes castigos,mas permitida a comer à vontade e a tomar os sucos que desejar.
-Comida e água à vontade não irão lhe faltar!Para ti Isaura engordar!Aliás a obesidade sería perfeita para ti!Pois nenhum homem iría mais te desejar!E não serías de mais ninguém!E terminaría teus dias obesa e encalhada,obrigada ao tédio eterno,mergulhada na mais absoluta frustração,por nenhum ter te escolhido para seres mãe e assim não ter arrumado um bom marido!-debocha e a ironiza,o crápula,como que ao mesmo tempo praguejando Isaura,portando uma bandeja com comidas cenográficas,que na verdade são artesanatos comprados em Minas Gerais,feitos de barro.
-Nao tería castigo pior do que o de ser obrigada a entregar-me a um pústula como vós mercê!-o diz,Isaura,corajosa,derrubando-lhe a bandeja com os artesanatos em forma de comidas,com alguns espatifando-se e sendo quebrados,após serem chocados contra o assoalho.
Leoncio,imprevisivelmente,segura a fúria diante de tamanha afronta agressiva proveniente de Isaura,proferíndo meio que rude as seguintes palavras,abaixo:
-Pois tens muita boa sorte,por não seres obrigada a comigo deitar-se sua atrevida!-a rebate,o vilão.-Eu só não a estupro,porque pelos meus pais não pretendo ser deserdado!Mas se eles não fossem vivos,tú não terías como escapar!Mas logo,logo,o meu dia chegará!...-sorri,malicioso,Leoncio,dando tal confissão para com a escrava.-Agora limpes a sujeira,qu tú mesma fizestes!Aliás é para isto mesmo a que tú serves:limpar todo o chão que eu pisar!...-e cospe no assoalho,humilhando-a,e retirando-se para os seus aposentos.Isaura,chora,prostrada.
Até que chegando a Portugal,sinhá Vera confidencía à sogra sobre os atos desrespeitosos de Leoncio para com Isaura.Sinhá Estér fica furiosa,pedindo ao marido que voltem o quanto antes ao Brasil.O Comendador discorda.Henrique tenta convencê-lo,ambos acabam discutindo,e Almeida o chama de intrometido.Mesmo não tendo dinheiro que lhe é negado pelo marido,isto não ímpede Estér de voltar ao Brasil,já que após calorosa altercação verbal com o próprio,o abandona em Portugal,para regressar ao vosso país,acompanhada de Vera e Henrique,que é quem financía a viagem da sogra da irmã,para alívio de Isaura,que vê na volta das duas protetoras sua salvação.Leoncio no entanto as diz que não poderão fazer nada,pois Isaura é de sua alçada.Sinhá Estér pega e segura firmemente a sua bengala.
Erguendo-o determinada,sinhá Estér o desafia,tirando Isaura do castigo.Leoncio é esbofeteado pela mãe ao ofendê-la de "sinhora intrometida".Sem titubear,ela o fala.
-Isaura não é escrava tua,nem de ninguém!É minha afilhada!Enquanto eu for viva ela estará comigo,ouvistes bem?!Sob os meus auspícios,sob a minha guarda e de ninguém mais!Se quizer escrava,que vás comprar com as tuas próprias patacas!Pois o teu pai ainda nem morreu,para todos os bens dele te apossar!E ainda mais Isaura já é alforriada em sua alma,mesmo que ainda não o seja em documento!-a protege.-Se tú fazeres algo que atente contra a minha "filha"(pega em seu coração),denuncio-te à milícia!-o comunica,ameaçando-o sob inteira e parcial legalidade.
A Leoncio não resta outra saída a não ser deixar de castigar Isaura com serviços pesados.Só que continuando perturbá-la com os seus assédios,tais como:"Ou tú te tornas minha ou eu te venderei para que sejas escrava de terras bem mais distantes do que esta!",chega a ,sob ironia,chantageá-la.Mesmo temerosa,Isaura não se faz de rogada,contando tudo em seguida para a sua "mãe de afeto",que expulsa a Leoncio temporariamente do engenho.
-Saias daqui,seu safardana!Indecente!Quer atentar tiranicamente contra a pureza de Isaura!Mas isto eu jamais vou deixar,seu paquiderme!Tú és o grande crápula deste engenho!Mas a partir de agora não serás mais!Pegue os teus pertences,e parta-te daqui,já!-o ordena,com a bengala em mãos,direcionando-lhe no rosto.-Ieda Neuza!Ieda Neuza!-a chama.
-Sim,sinhá!-atende ao seu chamado,indagando-a sobre a razão do mesmo.
-Peça ao feitor que chame o cochêiro e que o mesmo conduza este imoral para a Côrte!-a ordena.
-Sim!É pra já!O que sinhá "mandá" eu faz!Hum!-e vai.


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