segunda-feira, 10 de junho de 2013

'UMA OUTRA ESCRAVA ISAURA":CAPÍTULO 17:

-Milton!Milton!Socoooorro!-chama-o Vera.
-Sim,baronesinha!O que vós mercê quer?!-vem ao seu encontro o feitor Milton,indagando-a.
-É Virgi Santa,que caíu em desmaio!-o revela.-Uma pancada de vento frio a derrubou!Eu senti também,mas não caí!Leve-a daqui,para que os primeiros socorros a possamos prestar!-responde-o,explicando-lhe em detalhes,terminando por ordená-lo.
Desta forma sinhá-moça Vera o ordenou que assim o procedesse:que pegasse um chumaço de algodão e o salpicasse algumas gotículas de éter,pára que Virgi Santa o cheirasse.
-É "bão" também sinhá que Virgi tome uma xícara de café amargo "misturadú" com manteiga "Cabeça de Touro",pra ela nao "tontiá",pra "acabá" com o giro da cabeça dela!Pra tonteira é tiro e queda!-a ensina,sabiamente popular.-Eu vou já,já,"prepará"!-prontifica-se e "voa" para a cozinha,a mucama-cozinheira,Yáyá.
-Entao vá,Yáyá,que Virgi Santa vai precisar!-a diz sinhá-moça Vera,enquanto abana Virgi Santa com o seu leque europeu,com a mesma deitada em seu colo sobre o sofá.
Quando se vê,o feitor Milton acorda Virgi Santa,ao colocar em seu nariz um pedaço de algodão levemente salpicado com algumas gotas de éter.Ela se refaz do desmaio.
-"Siá" Vera...- balbucía,a mucama.
-Virgi Santa...Estás melhor?..-a indaga sinhá-moça Vera.
-Sim,mas eu "tô" um pouco tonta...-a responde,pegando na testa,enquanto Vera a abana com o leque.
-Mas "num" vai "ficá" mais!"Táqui" Virgi Santa!Toma esse café com manteiga pra "cortá" essa "tonteira"!...-adentra Yáyá,segurando uma pequena bandeja,sobre a qual está uma xícara sobre um pires,ambos de porcelana alemã.
-Ah,tá,é mesmo Yáyá...Obrigada...-confirma,Virgi Santa,a sabedoria popular,agradecendo-a pela gentileza.
-Ai,é ruim à beça,mas é bom!-faz cara de enjôo,Virgi Santa,após tomar a mistura.-Mas eu vou "tá" boa,logo,logo!...-afirma,ela.
-Vai mesmo,ainda mais com uma colherita desse néctar...-dá-lhe uma pequena colherada de mel,levando-o,sinhá-moça Vera,aos lábios da mucama,após tirá-lo de um pequeno pote de barro.
-Que maravilha!É mel dos deuses para tirar "ús amargo" da língua!...-deleita-se Virgi.
-Certamente minha cara!Decertamente...-sorri,sinhá-moça Vera,pelo préstimo ofertado-a.
Até que Milton manifeste-se,a contento.
-Posso me retirar baronesinha de volta para a lavoura?Vós mercê ainda vai precisar de mim?-a indaga,Milton,sempre solícito.
-Não!Não precisarei mais de vós!Podes retirar-se Milton,obrigada por mim e por Virgi Santa!Podes ír!...-responde-o,sinhá-moça Vera,dando-o autorização para que regresse à lavoura açucareira,fechando o seu leque enquanto o autorizara e abrindo-o,quando ele retirou-se do recinto para a Virgi Santa voltar a abanar,sempre prestimosamente caridosa para com a sua mucama de carácter especial.
-Eu também "mi tô" indo sinhá!Qualquer coisa é só na cozinha "mandá mi chamá"...-retira-se também Yáyá,levando a bandeja com o pires e a xícara de volta.
A sós,antes que sinhá-moça Vera  a indague,Virgi Santa logo a confessa,no seu colo,olhando em seus olhos.
-"Inhá","num sí casi" com "aqueli hômin","inhá",pois "sí inhá cúm êli si casá",muita tristeza pra sua vida "inhá há di levá"!...-a assegura,Virgi Santa,que neste momento,chega a lagrimar.
Isaura,ao mesmo tempo deste aviso premonitório da mucama Virgi Santa para a sua sinhá-moça Vera,à distância,fere um dedo seu,ao pegar uma rosavermelha cheia de espinhos no jardim da casa-grande da fazenda dos pais de sinhá Estér.
Até que enxugando as lágrimas de sua mucama com um lenço branco,a diz sua sinhá,mulher de alma dinâmica e determinada.
-Mesmo com este aviso teu,o qual sinto ter vindo de tua intuição mais profunda,Virgi Santa,pode até ser que com este casamento eu esteja a assinar a minha sentença de infelicidade,mas eu pago pra ver,que mesmo infeliz,eu há de suportar,e mostrar para tudo e para todos que eu posso lhe desafiar!E Leoncio também terá de me aturar!Pois eu mesma,completamente submissa,não vou me entregar!Ele poderá até pedras a atirar-me,mas eu o jogarei rochas,porque homem nenhum,exceto o meu finado pai,que Deus o tenha(gesticula com as maos para o Céu),vai me dobrar!...-a roga,para Virgi Santa,uma sinhá-moça Vera guerreira e determinada.
Virgi Santa então ergue-se e a abraça.
-Dá-"lhi" guerreira!Dá-"lhi inhá"!É por isto que gosto tanto da "sinhora"!...-a confessa,Virgi Santa.
-Senhora nada,Virgi Santa!Senhorita,pois ainda não casei-me!Senhoras estão nos lares cuidando de vossos maridos!...-brinca sinhá Vera,sorrindo.-Mas isto é recíproco!Pois também tenho muito apreço a vós mercê,pois sempre fostes e sempre o serás a mais especial de todas as minhas mucamas!-a confidencía,elogiosamente.
Quanto à Isaura,ela mesma succionou o sangue que saíu do dedo,ferido pelo espinho da rosa,com a própria boca.Aliás já completou-se 3 dias da ausência dela e de sua madrinha da fazenda "Santa Estér".Embora profundamente desfeiteado pelo abandono da mulher,o comendador Almeida Prado,a primeira providência inquisitiva que tomara, como forma de represaliá-la,foi o de trocar o nome da fazenda,que agora chama-se "Fazenda Santa Genoveva",pela qual chamava-se sua finada mãe."Uma forma indelével e mui justíssima de homenageá-la",comentou após ter decidido-se pela troca.
-Se Estér fosse santa,jamais me abandonava,por causa da liberdade de uma escrava!-justificou.-Minha saudosa genitora!Esta que era mulher,submissa da ponta dos pés até o último fio de cabelo para com o meu saudoso pai!(Faz o Sinal-da-Cruz)-Esta era a minha mãe(olhara para o retrato dela imensamente emoldurado na parede da sala,entrelaçando as mãos)-Esta era a minha mãe,pela qual sinto imensas saudades!-discursou,num misto de rudeza,orgulho e nostalgia.
Desta maneira ao trocar o nome da fazenda,os escravos,ficam sabendo pela fuxiqueira e invejosa Rosa,que escutou tudo atrás da porta,o Comendador Almeida contar para o feitor Cipriano,das circunstâncias que fizeram-no ser abandonado pela mulher,na casa-grande da Côrte, "Chácara Residencial dos Almeida Prado".
-Tinha que ser por causa da maldita Isaura!...Sempre Isaura,que fez "inhôzinho sí separá di inhá"!Viu como ela atrasa até a vida da própria madrinha!Ela trouxe até uma sorte ruim "prú" casamento da "mulhé"!...-não cansa Rosa,de falar mal de Isaura,na sala de bordar.
-"Inté parecí" Rosa que "prêcisô" de Isaura "praqueli casamentú acabá"!...-a defende,Ieda Neuza.-Antes "mesmú dí casá",ela,a sinhá,queria "abandoná" ele,"u Comendador nú altá"!-revela.-"Ôcês" num sabia não!Ora,mas foi o "qui" aconteceu!A própria "inhá" contou pra Isaura,que "mi contô,mi pidiú" segredo,e só agora,depois de anos "to contandú pra ôcês"!...-conta Ieda para todas as escravas bordadeiras.
-Ah é?!"Pôco mi importa" esta história agora!O "qui" importa...-é interrompida por Ieda,a Rosa.
-...É "qui" sinhá "abandônô ú nhô-nhô pur" causa "di" Isaura,né Rosa?É "issú qui" tú ía mesmo "falá"!..."Inté parecí nôvidadi"!Hum!-intromete-se,Ieda.-Basta um "tiquinhú"(amostra o dedo "mindinho")"du nômi di" Isaura pra tú "acendê" essa tua língua,e "cuspí" fogo de tua boca em cima dela como se fosse uma "dragôa" cheia de "mardadí"!Hum!Eu "num" ti conheço,Rosa!Ô língua de fel!...-completa Ieda,criticando sem medo,Rosa,que a fuzila com o olhar,pois é a única que tem a coragem de falá-la a verdade,em sua cara,na frente de todo mundo.
Rosa como sempre retira-se aborrecida,com "cara feia",bufando de raiva,xingando Ieda em pensamento.
-Essa nega não passa de uma "inxirida",uma intrometida!Uma preta "disgrassada","issú é qui" ela é!Eu "ti" odeio tanto "quantú" odeio Isaura!-confessa,mentalmente.
É neste momento que Rosa,na sala,roga uma praga para Isaura.
-Eu tenho fé na vida que a "morti" nao vai "dá" pra Isaura "liberdadi",porque "quandú ú Governadô tivé "quasi assinandú a liberdadi" dela,ele vai "empacotá" dessa pra uma "melhó"!...-a pragueja,desejando a morte para o "Governador Imperial".
-E aí Isaura,adeus liberdade!!!...-dá adeus,impregnada com inveja e ódio.
E é o que realmente e surpreendentemente acontece:pegando a praga rogada pela invejosa escrava Rosa,no momento em que o "Governador do Império" prepara-se para assinar a carta de alforria da escrava,Isaura,ele tem um fulminante infarto e morre.Isaura desmaia.Um médico,Camilo Castelo Branco,a socorre,procedendo-a os primeiros socorros:deitando Isaura,mesmo no assoalho da "Casa Imperial",deixando as suas pernas mais altas que a cabeça;desapertando as suas roupas;e por fim mantendo-a em repouso,até que seu estado normalize-se;
Enquanto cuida de Isaura,a olha com fascinação.É amor à primeira vista.Enquanto levam o cadáver do Governador,eis que surge o Comendador Almeida Prado,que por Estér,é informado.
-Boa sorte a tua e  má sorte de Isaura,pois quando minha afilhada estava prestes a ter o deleite de sua tão sonhada liberdade,eis-me que surge a morte para atrapalhá-la!A maldita levou o Governador!...-comunica-o,chorosa e inconformada.-Fostes tú,Almeida!Fostes tú que a rogastes praga,para que ela não obtivesse a vossa liberdade tão sonhada!-o acusa.-Diga-me que foi!Diga-me que foi!Diga-me,crápula!Que os teus lábios só chamaram-na a fatalidade,fazendo fugir a liberdade de Isaura,como fosse um espantalho as tuas malditas palavras!-pega-o fortemente pelo seu colarinho,puxando-o para ela.
-Páre com isto,Estér!Páre com isto que eu não a roguei nenhuma praga,mas sim quis o destino pregar-lhe esta fatalidade!-a revida o Comendador,balançando-a,ao pegá-la fortemente pelos braços.
-Largue-me!-o empurra,desvencilhando-se dele.-Seu pústula!-dá-lhe um tapa.O Comendador a revida à altura,pois ao invés de também esbofeteá-la,amarra as suas mãos para trás com uma corda.E ordena ao feitor Cipriano que leve Isaura.Assim as submete a voltar,obrigadas,para a fazenda do engenho,na carruagem.Estér,ao chegar nesta é amordaçada com um lenço negro,que o Comendador põe em sua boca.
-Eu posso tudo,Estér!Eu posso tudo!Pois tú és a minha mulher e Isaura é a minha escrava!-justifica.-Tú tivestes sorte Estér por não tê-la colocado na cadeia,por abandono do lar!E ainda por cima ter levado contigo uma escrava de minha propriedade!-a "bombardeia".-Sería fácil alegar perante as autoridades que tú a me roubastes!Portanto,fui até bom com vos mercê,por não denuncíar-te!Mas faça mais isto que da próxima tú não me escaparás!-é inquisitivo o Comendador,como se fosse,e realmente o é,um legítimo marido ditador.
Aos pais de sinhá-mulher Estér,não resta-lhes nada a fazer,pois o Comendador age apoiado pelas leis extremamente machistas e escravocratas do país.


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