Nem mesmo com o casamento de Isaura,imposto à ela,pela Justiça a favor de seu senhor escravocrata,este não decide alforriá-la.
-Só liberto-a quando a mim te entregares!-teima Leoncio a comunicá-la,mas ela resiste bravamente,claro.
Como Belchior foi comprado por Leoncio,pára na frente do juiz ser um marido de fachada,este é um jogo sórdido do crápula para castigá-la,fazendo-a esposa de um pobre homem horrendo em sua aparência,e ao mesmo tempo tentar obrigá-la a entregá-lo seu corpo.
Mas,logo,logo,acontece uma virada.Pois Álvaro e sinhá Vera confabulam um jeito de viabilizar a quinta fuga da escrava.Simplesmente sinhá Vera paga a escrava Irací para esta fazer uma poção calmante e dá-la para Leoncio e fazê-lo dormir profundamente,tanto quanto o feitor e os capatazes,após misturá-la a um insuspeitável e delicioso suco de maracujá da colina.
Porém a escrava tem um infarto no fogão e morre.
-Eu mesma farei um enterro digno para com a minha escrava!Ela passará pelos mesmos rituaís funerários dos brancos!-dita sinhá Vera,dizendo que fará isto na fazenda "Santa Elizabeth".
Leoncio consente-a,mesmo ignorando a atitude da mulher.
-Sim Isaura pode até ír,porém devidamente acompanhada e vigiada pelo meu feitor!-exige o vilão.
-Concordado!Se assim o meu marido quer assim sua esposa o fará!-aceita a sua imposição.
A mudança das circunstâncias só facilitarão os planos de Vera em conluío com Álvaro.Já na fazenda,no quarto de sua casa-grande,sinhá Vera tem a idéia,mesmo que muito absurda,geníal.
-Se vós mercê quer ficar livre daqui,terá de fugir,fingindo-se de morta,dentro do caixão!-a revela,Vera.
Isaura mesmo muito assustada,aceita.
-Eu o farei,mas o que não faria para saír daquela pressão infernal?!Mas como devo proceder,sinhá?-a indaga,Isaura.
-É simples!O corpo de Irací ficará em cima de minha cama,coberto por um lençol,trancado neste quarto,enquanto os dois escravos,o Chico e o Malafati carregam o caixão com vós mercê,como se fosse a Irací!O resto deixe por minha conta,que tudo será muito fácil...Fique tranquila!Vai dar tudo certo!...-a tranquiliza a baronesa,engenhosa.Isaura,mesmo que temerosa,mas ao mesmo tempo confiante em Deus,concorda.
Quando sinhá Vera desce as escadas à frente do caixão com Isaura-carregado pelos dois escravos,que é quem sabem de toda a ação de sua senhora,e lógico,nada falam,ela diz ao feitor Cipriano.
-Eu decidi Cipriano que não farei mais velório nenhum aqui na casa-grande,e sim velá-la na senzala,a pedido de meus escravos!-o mente,convincentemente.-Porém neste caixão de madeira nobre ela será sepultada no cemitério "Morada das Almas" ou "Santa Bárbara"...-continua a mentir.-Agora com vossa licença feitor,eu vos acompanharei!O senhor espere-me aqui,e Isaura como está com enxaqueca,decidiu não nos acompanhar!Deixe-a em meus aposentos e não vá importuná-la que ela já descerá!...-concluí,astuciosa.
Até que chegando na senzala,Isaura saí ofegante do caixão.
-A minha respiração já estava faltando!Mais um pouco estaría no Céu!...-confessa.
-Agora monte em meu cavalo e fuja Isaura que aqui está Álvaro...-e ele a aparece,pois já estava aguardando-a ansioso na senzala.
-A Irací morreu,mas eu dei outro jeito para fazer Isaura escapar,como podes verificar!Mais detalhes ela lhe contará!Agora apartai-vos daqui e não percam tempo!Felicidades para vós!-os oferece desejos auspiciosos,no que o casal beija-se,montam no cavalo e partem.
Os dois partem para a "Província de São Paulo",onde após deixar o cavalo que Vera os emprestou,na chácara de um amigo abolicionista,Silvestre,embarcam em um navio,rumo novamente à Europa,mas desta vez nao irão refugiar-se em Portugal e sim em nação espanhola.Isto mesmo.Estão destinados a pisar na Espanha,onde Álvaro poderá hospedar-se na casa do pai,que reencontrará o filho,agora casado,de coração,mesmo que a Justiça brasileira tenha vosso matrimônio extinguido ou anulado.Detalhe:Isaura encontra-se com um véu negro encobrindo-lhe o rosto que sinhá Vera a deu,para que dificultasse sua identificação.
Enquanto isso na fazenda "Santa Elizabeth",em "Campos dos Goytacazes",vendo que o caixão voltara carregado pelos escravos,o feitor não entendera nada,até que indagou e descubrira a verdade,que saíu da boca de sua própria patroa.
-A verdadeira defunta está aqui!-disse-lhe Vera,no que amostrou-lhe o corpo de Irací.-Aquela era a falsa...Isaura estava lá...Eu ajudei-a...a fugir!-revelara,corajosa.O feitor a ofendera.
-Como a baronesa é cínica!Tão mais cínica e fingida quanto uma meretriz!...-teve a audácia de xingá-la.
-Seu imundo!-deu-o um tapa.-Como ousas afrontar-me?!...Foras daqui,antes que eu lhe mate!...-o ameaçara com uma escopeta.
Ele retirou-se,enquanto ela gritara.
-Vá borra-botas desgraçado!Fuxicar para o patife de teu patrão!E diga-lhe que nem apareça aqui,porque nunca mais botarei os meus pés lá!E que esta foi a forma que encontrei para me vingar!Ajudar o passarinho da gaiola a se libertar!-bradou-lhe do alto da janela.
Leoncio soubera,ficara furiosíssimo,com o fato da própria esposa haver tramado contra ele,auxiliando na quinta e derradeira fuga da escrava,no que decidira.
-Mil vezes malditas!Ela e Isaura!Uma deixou de ser a minha esposa para tornar-se a minha adversária,e a outra não escapará de ser recapturada como uma escrava adúltera!...Ou pior:desta vez Isaura não escapará do chicote,no tronco,e de morrer na senzala!É isto mesmo:ela trabalhará duramente na lavoura como se fosse uma negra qualquer!Pois da primeira vez escapou!Da segunda escapou!Da terceira,idem!Da quarta,de novo!Mas da quinta já foi longe demais!Desta ela não escapará!-bradou furioso,no que dera uma chicotada na mesinha da sala,derrubando um vaso ao chão,quebrando-o em pedaços.
Enquanto isto,usufruíndo Álvaro e Isaura de agradabilíssima navegabilidade presente no navio rumo à Espanha,ela o confessa,envolvido pelos braços da amada,preocupada.
-Não posso disfarçar-lhe meu amado...Ó Álvaro,que o destino desta vez não permita que regressemos ao Brasil a bordo da presiganga,aquele maldito navio-presídio!Que Leoncio não nos ache,nunca mais!-despreende-se dos seus braços.-Eu rogo aos Céus!...-eleva as mãos para o Céu.
-Em nome de nossa felicidade ele não nos achará!...-Álvaro a tranquiliza,otimista,Isaura,dando-a um "beijo esperançoso".
Ao nascer-do-sol,após dias de viagem,eles desembarcam no porto espanhol.Dali partem em carruagem para a fictícia "Província Espanhola de Madrigalva",a poucos quilômetros do porto,onde residem o pai e a madrasta de Álvaro.São recebidos com festa.
-Viestes meu filho acompanhado de tanta beleza!-alegra-se com vossa presença.-Que encanto de mulher estás a te acompanhar!Seja bem-vinda "Madamoisèlle" Isaura!Minha nora amada!-a cumprimenta,sorridente,Ary,beijando-lhe a mão.
-Encantada senhor Ary!Muitíssimo obrigada!Minhas satisfações!-agradece-o também,sorrindo emocionada.
-Boas chegadas ao meu enteado e a vossa amada!Trago-lhes festas!-estoura uma garrafa de champagne a madrasta Iñes,oferecendo-lhes a bebida,surpreendendo a Isaura,por saber falar fluentemente o português.
-Nossa,que surpresa!Eu não sabia que vós mercê sabia falar tão bem o português!Confesso-me,repito,surpreendida...-a confessa,Isaura.
-Muito obrigada,Isaura!Sinto-me pelo vosso elogio,bastante lisonjeada,mas é que apesar de ser poliglota,tenho predilecção pela língua portuguesa,afinal não foi à toa que casei-me com um brasileiro,e além do mais,minha mãe,uma soprano espanhola,casara-se com meu pai,um exímio pianista de Portugal,ambos artistas e já falecidos,dos quais herdei o dom para as artes!-oferece-lhe a síntese de sua biografia de vida famíliar.-Desta forma,detenho nacionalidade dupla,sou portuguesa e ao mesmo tempo espanhola,compreendestes?!Aliás,três,pois também considero-me brasileira de coração...-a diz,pegando no peito.
-Meu Deus,que lindo!-suspira Isaura,em elogios para com ela.
-Então vosso dom vem de berço...originário de uma linda história de amor entre um pianista português e uma soprano espanhola!Se permite-me a curiosidade,como chamavam-se os vossos pais?Que Deus os tenha na eterna glória...-a indaga,suavemente curiosa,Isaura.
-Sim!Permito-lhe sim!Minha madre chamava-se Maria Helena Madrecciato de Portiz,e o meu pai,Divino Eustáquio Di Mirano,fazendo jus ao vosso nome como um dos mais magníficos pianistas de vossa pátria lusitana!-a conta.-E antes que possas perguntar-me,como já hás de saber,aliás,apeteço-me a este detalhe,Álvaro,desculpe-me a gafe,já apresentou-me a vós...-apercebe-se,Iñes,de vossa falha.
-Desculpas gentilmente concedidas,sinhora Iñes!Álvaro já havia falado-me de vossa parte,inclusive,logo no primeiro encontro em cujo qual nos conhecemos...-a revela,docilmente,Isaura.
-Sim...sim...-a ouve,Iñes,tomando champagne.
-E do que falara mais sobre mim?...-a indaga,reinvidicando maiores detalhes.
-Que vossa senhoria exerce o ofício do tablado...-responde-a.
-Sim,e o teatro é mesmo aqui...Veja-o...- e a amostra pela janela o teatro de arena que mandou construír no jardim ao lado.-É por isto que o nome de meu teatro é:"La Casa de La Actriz",ou traduzindo-se para o bom português,"A Casa da Atriz"!-a revela.-Inclusive muitos turistas transitam por aqui para ver-me representar...-a revela maiores detalhes.
-Mais-que-perfeito,impossível!Eu estou muito admirada!-elogia-lhe Isaura.
-Obrigada!À noite darei-lhes ares de minha graça!Eu estou em cartaz com o monólogo "Confissões de uma mulher amada",no qual declamo vários poemas românticos e confesso o meu amor para a estátua de gesso que a minha personagem mandou fazer do homem amado,já que na vida real não tem a coragem de declará-lo...-explica-lhes o teor do espetáculo.
-Geníal!Artísticamente geníal!Teremos o maior prazer em apreciá-lo!Ao vosso espetáculo!...-assegura-lhe Isaura.
-Sim!E é mesmo esplendoroso!Deixando as falsas modéstias de lado!E já posso adiantar-lhes que é todo em espanhol o espetáculo!Espero que admirem e possam compreendê-lo!-anuncía.
Rapidamente a tarde vira noite.Quando se ve Isaura,Álvaro,seu pai,Ary e muitos convidados estão a contemplar mais uma notável expressão de arte teatral de Doña Sol Di Luján,o pseudônimo artístico de Iñes,que expõe a sua peça de teatro em idioma espanhol.No fim é bastante aplaudida por vossa platéia.
-Bravo!Bravo!-a elogía,Isaura,aplaudindo-a entusiasmada,claramente emocionada.
-Mas também tú Isaura,estrelarás o teu espetáculo!Tragam a harpa!Eu sei que no toque deste instrumento és esmerada!Por isso,para nosso deleite,venha tocá-la!-a ordena suavemente e delicadamente,surpreendendo-a,visivelmente.
Enquanto Isaura explana também os seus dons artísticos para uma seleta platéia na Espanha,deixando-os extasiados,no Brasil Leoncio gasta abundantemente com orgias,acompanhado de prostitutas,as quais mandou trazer de Portugal,especialmente para satisfazerem-no em seus desejos libidinosos,funcionando como hóspedes sexuais,pagando-nas todos os traslados e inclusos despesas com compras e alimentação.Uma fortuna!Hospedando-nas na chácara da Côrte.Um acinte para Vera.
-Só assim posso vingar-me e Vera!...Esta intrépida degenerada!Maldita alcovitêira,por ter dado fuga à escrava!...-fala.
-E também da "Condessa Depravada",outra alcovitêira dos infernos!Agora não pago-lhe um vintém pelas suas mulheres de lupanar!Perdera um dos clientes mais assíduos e caros!...Prefiro as "pônas" portuguesas!Quem sabe assim ela aprenderá a não mais me afrontar!Ajudou a Isaura a fugir!Agora toma-te prejuízo e o meu desprezo!...-remói o seu rancor contra a esposa e a caftina de luxo,o crápula.
E ele nem imagina,que ao mesmo tempo,elas falam mal dele.
-Não arrependo-me nem um pouco!Pouco sobram-me resquícios de arrependimento!O certo sería o dizer:não sobrou um grão!Por isto tivera o maior prazer em proporcioná-la a sua quinta deserção!Aliás se me fosse possibilitado,eu até gostaria de fazer uma fuzarca em comemoração a este ato!...-confessa ao irmão,Henrique,sua satisfação em ajudar Isaura.
-Pois não sinto falta de nenhuma pataca daquele crápula!Pelo contrário!É menos um pé nefasto a dar pisada em minha casa!Deixem Leoncio desfrutar de suas "pônas" portuguesas e de outras vindas de outras províncias do país!Isto não me é de suma importância!E sim que enquanto ele saí,outros entram!Assim não faze-me falta!Como se vê a casa está cheia,e ninguém lembra-se de Leoncio Almeida!...E aliás,ainda digo-lhes mais!Eu jamais me arrependerei e até faria de novo,se o fosse absolutamente necessário:o de dar uma nova fuga à escrava!...E tive a maior satisfação,naquela ocasião,em auxiliá-la,ao dar-lhe abrigo em meu mais nobre palacete na "Província do Pará"!Repito:faria de novo,faria de novo e faria de novo!...-confessa à sua mucama "Nhá-Sí","Madamme Simone Bertolli",abanando-se ao seu leque com uma mão,e empunhando uma taça de ouro encravada com diamantes e esmeraldas com outra bebendo o vosso champagne.
Conclusão:desde o tal episódio Leoncio não comparecera mais à "Casa-Grande dos Prazeres",cortando definitivamente o vínculo-presencíal que tinha para com o estabelecimento do meretrício.
Desta forma Leoncio vai desperdiçando vultosas quantias de dinheiro do patrimônio de vosso pai,gastando principalmente com mulheres,bebidas,jogatinas e farras.Como franca consequência logo verificar-se-à o crápula completamente chafurdado na "lama de dívidas",ou seriíssimamente endividado.
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